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Convite: documentário “Teatro Político:uma história de utopia” na Cinemateca dia 13/09

Posted in Índice, Espetáculos by teatropolitico60 on 08/09/2010

Você está convidado (a) para partcipar da estréia do documentário “Teatro Político: uma história de utopia”, no dia 13 de setembro de 2010, às 19 horas na Cinemateca. A história de um movimento político e artístico realizado na Curitiba dos anos 60, por artistas, estudantes, intelectuais e jornalistas que acreditavam no teatro como instrumento revolucionário. Depoimentos de ex integrantes como Euclides Coelho de Souza (Dadá do Teatro de Bonecos), Zelia Passos, Alcidino Bittencourt, Marly Genari e relatos de jornalistas que escreviam sobre cultura na década de 60, como Mazza, Edésio Passos e René Dotti. O documentário conta ainda com a partcipação especial de Ferreira Gullar e de Artur Poerner, escritor do livro “O Poder Jovem” e jornalista do JB. As peças teatrais encenadas na época são reencenadas para o documentário pelas atrizes Chris Macedo, Maureen Miranda e Chiris Gomes com a direção de Octávio Camargo, cenário e figurino de Marcelo Scalzo.

Antes da exibição haverá um debate sobre o teatro político com a partcipação da pesquisadora do documentário Ana Carolina Caldas, do fundador do movimento de teatro político Euclides Coelho de Souza (Dadá) e do músico e diretor Octávio Camargo.

FICHA TÉCNICA: direção e edição de Tulio Viaro, pesquisa e roteiro de Ana Carolina Caldas e fotografia de Gilson Camargo.

entrevista com marly genari

Posted in Índice, Entrevistas by teatropolitico60 on 01/09/2010

Marly Genari é médica e integrava na década de 1960 o Comitê Estudantil do Partido Comunista. Conta em seu depoimento que a participação no movimento de teatro político serviu para que tivesse a certeza de que a arte é fundamental para conscientizar o povo de sua realidade. Relata que a experiência no teatro de rua, em cima de um caminhão, pode ter servido mais a eles, jovens atores amadores, do que para as platéias nas ruas, praças e até em saídas de jogos de futebol. Coincidência ou não, sua filha Ana Rosa é em Curitiba importante atriz engajada no teatro de rua.

Cada um com o seu momento. A gente fazia uma tentativa de sensibilizar o povo para prestar atenção aos desmandos políticos e que haviam outras alternativas. Como a gente era comunista, a alternativa era o regime comunista, era Cuba…

Eu era da juventude comunista. Havia então uma necessidade de comunicar que existia uma diferença que poderia modificar alguma coisa, que melhorasse a vida do povo. O teatro era a forma mais redundante de fazer isso, de comunicar, então  a gente reunia o nosso pessoal no caminhão e através do teatro falava de questões políticas e sociais, as alternativas e principalmente como o povo poderia ajudar a modificar aquela situação, de fazer justiça social.

Eu estudava medicina na época, então a maior parte dos que faziam este teatro eram universitários, e éramos do Comitê Estudantil do Partido Comunista. Era uma coisa de querer fazer justiça. Quando eu era bem menina, fazia ainda o ginásio, eu já lia muito sobre Marx. E meus irmãos, todo mundo lá em casa estava preocupado com as questões sociais.

Em 1959, Euclides Coelho de Souza (o Dadá do Teatro de Bonecos)  era da juventude comunista em Curitiba e uma das tarefas a que se propôs foi a criação de um grupo de teatro com atores e estudantes. A história começa quando a advogada Terezinha Garcia (da direção do PC), a partir de uma notícia do Jornal O Semanário  sobre a apresentação da peça “Patria o Muerte”, de Vianinha, no Rio de Janeiro, sugere a ele que montem a peça para divulgar  a Revolução Cubana na cidade. Marly se integra ao grupo que sai com um caminhão fazendo o que chamavam de “representações comícios”.

Nós éramos jovens e tinha no partido o pessoal mais experiente, advogados, jornalistas, várias pessoas com formação mais avançada que a nossa e, naturalmente, mais informados que nós. Foram eles que nos trouxeram a idéia do teatro de rua, de subir em caminhão para fazer teatro. Criamos um grupo chamado Teatro do Povo. Trouxeram inclusive uma pessoa que era do Rio Grande do Sul para ajudar na montagem da peça (o jornalista Walmor Marcelino), essa pessoa nos ajudou a ter o conhecimento do que a gente chamava de representação relâmpago.

Os dirigentes queriam a força da juventude que era muito presente. Então eles de alguma forma usavam sim para os fins políticos nosso poder de comunicação e de convencimento. Por isso eles se preocupavam muito em a gente saber das coisas. Até nas dependências da Igreja do Largo da Ordem a gente teve aulas de marxismo…

Eu me lembro que o caminhão tinha uma rampa para gente subir e descer rapidinho. E o nosso figurino eram placas. Então o Batista tinha a placa na frente, daí tinha o Che Guevara, o Fidel Castro…

E tinha também “o povo”, que eu fazia parte. A gente ficava atrás, com a plaquinha que dizia que a gente era povo. E nós sempre falávamos em coro, porque era para dar a voz forte do povo!  Éramos umas cinco ou seis vozes nesse coro que tinha que se contrapor com as vozes únicas daqueles outros personagens. Era sobre Revolução Cubana, sobre a decadência do Fulgêncio Batista. Eu me lembro deste personagem que era muito sofisticado e dizia que queria reunir as pessoas nos salões cor de rosa, depois no salão azul, no amarelo. E, isso mostrava a sofisticação dele, a frivolidade e o povo atrás reclamando e gritando por suas necessidades e por uma modificação.

A gente se reunia para preparar isso e as falas eram muito importantes. Insistiam muito na fala, nos acentos, na boa pronúncia. O mais importante era expressar as idéias. A representação de fato era mínima, era a palavra mesmo. A coreografia, os movimentos eram feitos em cima de um caminhão então não dava para exigir muito.

Uma vez a gente esperou a saída de um jogo de futebol e nós ficamos na frente do estádio. O pessoal saindo e a gente já estava pronto para começar. Era um prazer fazer teatro. Além de levar a informação para o povo, era muito gostoso tudo aquilo. Eu lembro que o convívio entre nós também era muito prazeiroso. A gente ria muito um do outro.

A gente achava que porque começou na América a Revolução, a gente tinha que acabar com essa coisa dos Estados Unidos mandar no Brasil. Por isso quem era comunista não podia ouvir música americana, apesar de eu gostar muito, dançar rock feito louca! A patrulha ideológica era terrível! Mas, a gente achou sim que iria também acontecer no Brasil…

Walmor Marcelino escreve em seu livro “Malvas, Fráguas e Maçanilhas”,  que entre as companhias teatrais que iniciaram encenações em bairros, o Teatro do Povo (grupo que surge no Partido Comunista) surgiu dando maior ênfase ao político, queria ser um teatro político e popular. Os recursos das placas dizendo quem era quem demonstrava maior preocupação em prestar a informação ao público mais do que a estética propriamente dita. Apesar de ser esta a intenção desejada por Walmor, para Marly  não é  possível dizer se o que faziam chegava e conscientizava de fato ao público.

Eu era o povo, a nossa fala era curta e quem contava mais a história eram os outros personagens, por isso dava para perceber melhor a reação da platéia. Eles ficavam muito ligados, mas, eu não tenho certeza se eles faziam a sobreposição da situação que talvez eles estivessem vivendo com a história da peça. A gente não conversava no final, não queríamos nos expor muito. A gente saía rápido dali… porque naquela  época o Partido Comunista não era reconhecido, nós reivindicávamos a legalização do partido e tinha toda aquela propaganda que comunista comia criancinha, essas coisas todas… na verdade, o povo em si não gostava muito de história de comunistas… então a gente defendia a história de Cuba demonstrando que quem reivindicou a mudança naquela ilha foi o povo, o camponês, o operário, o estudante que passou a ter voz ativa na sociedade.

A politização das artes na década de 1960 criou também o que podemos chamar de teatro circunstancial, ou seja, um teatro que naquele momento, tinha quase que como dever explicitar conteúdos políticos devido ao apelo do engajamento à causa do nacional popular. Há quem tenha caracterizado isso como romantismo. Marly concorda com a tese, mas acha que era e é próprio da juventude e da época. Apesar da reavaliação crítica sobre a experiência, afirma que tudo valeu a pena.

Eu diria assim que era uma visão muito romântica, era um sonho. Como jovens acreditávamos que poderíamos mudar alguma coisa, e as pessoas mais velhas que traziam a informação para gente eram incentivadoras disso. Também eles eram sonhadores. Isso foi muito importante para mim. Nunca deixei de ter um olhar social, tanto profissionalmente como pessoalmente. No tempo em que a gente freqüentava as reuniões da juventude comunista, tínhamos aula de antropologia, sociologia, pessoas importantes vinham dar estes cursos. E, isso a gente carrega para sempre por que conhecimento é uma fortuna! Sempre valeu a pena… eu nunca deixaria de aconselhar os jovens a sonhar….

E para você, existe função social da arte?

Eu vou só citar um fato. Quando eu ainda morava no Acre, foi criada a Faculdade de Medicina  por lá. E a Ana Rosa, minha filha disse: “Ô Mãe, essa história de faculdade de Medicina tinha que estar em segundo plano, porque o que modifica uma sociedade é a arte; eu faria uma Faculdade de Artes! Eu falei, ela tá certa, e olhe que eu sou médica. Médicos dava para levar tantos quantos fossem necessários, era só pagar um bom salário. Mas, primeiro a Faculdade de Artes, todas as artes. Pra modificar, para levar conhecimento, ampliar o universo cultural do povo.

Vídeo: Tulio ViaroFotos: Gilson CamargoEntrevista: Ana Carolina Caldas

Nota: Posteriormente, o Teatro do Povo – grupo constituído junto ao Partido Comnista se transforma em Sociedade de Arte Popular, agora tendo á frente o jornalista Walmor Marcelino, decide se tornar independente do partido. Com esta nova formação, montam a peça “Os Subterrâneos da Cidade”, escrita e dirigida por Walmor. Depois encenam as peças “A Prostituta Respeitosa” e “Os Justos”, no intuito de se tornarem um grupo teatral e aprofundarem os  seus conhecimentos, organizam um curso no Teatro Guaíra, para eles mesmos e outros novos interessados. A imprensa local, em 1961 noticia o encerramento do primeiro curso intensivo da SAP, com a duração de um mês, abrangendo aulas de dicção, inflexão, esgrima, figurino e interpretação, contando com a participação de doze alunos: Newton Carlos Grillo, Anita Karvat, Alceu Wildner, Leonidas Moscibrocki, Oraci Gemba, Dorval Gago Lourenço, Josus Barbosa, Wilza Previde, Alcidino Bittencourt Pereira,  Euclides Coelho de Sousa, Maria Rachel Sovinski, Maria José de Oliveira e Zélia Passos.

entrevista com zélia passos

Posted in Índice, Entrevistas by teatropolitico60 on 01/09/2010

Zélia Passos é formada em Pedagogia e tem mestrado em Sociologia. Foi uma das fundadoras do Partido dos Trabalhadores (PT) no Paraná. Na década de 1960, antes de entrar na Faculdade de Pedagogia, conheceu a experiência da Sociedade de Arte Popular (SAP), grupo que fazia teatro político na Curitiba de então. Ela frequentou em 1960 no Teatro Guaíra o curso ofertado por Walmor Marcelino, um dos fundadores da SAP. Atuou, em 1961, nas peças “Subterrâneos da Cidade” (escrita por Walmor Marcelino) e em “Os Justos”, de Albert Camus.

ZÉLIA: Naquela ocasião eu tinha recém concluído o que hoje seria o segundo grau e estava numa crise pessoal. Não sabia que curso fazer. Ora pensava em Biologia, depois em Letras, ora em Matemática… e, por outro lado estava ficando noiva, mais interessada em casar e ainda com a perspectiva de com o Edésio se formando, nós irmos para o interior. Somando tudo isso, eu fiquei sem estudar. Eu não tinha pai, queria trabalhar, ter independência e não depender dos meus irmãos, então optei em trabalhar neste ano e a minha irmã mais nova é que soube que haveria um curso de teatro no Guaíra e se interessou, mas, ela não poderia ir sozinha… na minha casa quando uma ía a outra tinha que acompanhar. Então no início eu fui acompanhando a minha irmã. Ela desistiu do curso e eu é que continuei.

Nosso professor era o Walmor Marcelino e foi lá a primeira vez que eu o vi. Conheci o Euclides (Dadá) e outras pessoas que já vinham da experiência da Sociedade de Arte Popular. Tudo era uma grande novidade para mim. Porque ela ia desde esgrima até declamação, esquetes improvisadas… e a maioria das aulas eram dadas pelo Walmor. Inclusive relaxamento. Eu me lembro bem que ele nestas aulas dizia assim: “lembrem como o gato faz na hora em que ele vai dormir, ele se espreguiça…” imagina, o Walmor com a carranca que ele já tinha na época, nos dava estas aulas…”

Depois encenamos a primeira peça que foi a “Subterrâneos da Cidade”. Eu fui a mulher do líder operário. A gente treinou pouco tempo, fizemos um ensaio numa sala. Não era ensaio em palco. Fizemos um só ensaio no Guaíra. Algo feito com muito esforço e a toque de caixa.

Eu me lembro do impacto de entrar num palco lotado, que ainda estava em construção (a apresentação aconteceu devido as comemorações do dia 1 de maio de 1961 e a platéia era predominantemente de trabalhadores). Nos nossos ensaios que eram em lugares pequenos não havia problema de impostação de voz, e ali no palco a gente tinha que gritar, porque o teatro ainda tinha muito elemento vazado. Eu não sei inclusive se os que estavam mais longe se conseguiram ouvir o texto. A gente só ouvia da coxia o pessoal gritando pra gente: “Mais alto! Mais alto!”

ZÉLIA: Eu participava de algumas discussões da Juventude Estudantil Católica (JEC), eu já tinha esta preocupação social. E a peça ” Subterrâneos da Cidade” tinha este mote da divisão de classes, tinha um tom até panfletário, mas aquele panfleto eu assinava embaixo, embora ainda não tivesse muito conhecimento. Era mais por sensibilidade a estas causas.

Agora, esse curso de teatro, embora de pequena duração, pra mim ele foi marcante. Eu tinha um problema de voltar para casa sozinha à noite. Muitas vezes eram o Walmor e o Euclides que me levavam até em casa. E, nós íamos em altas discussões. Eles eram grandes provocadores. Então eles faziam de tudo para desmontar todas as minhas idéias de uma pessoa jovem que sabia muito pouco do mundo e, por outro lado estava ávida para conhecer tudo isso. Eu tinha uma grande paixão pela literatura e eles me provocavam muito por conta das coisas que eu lia! Eu ainda tinha uma leitura relativamente supervisionada pela minha mãe.  Também estava começando a descobrir, por certo fruto do momento, a questão do existencialismo. Mas eles dois não me levavam muito a sério. Era sempre num tom provocador.

Logo depois a gente começou a ensaiar “Os Justos”  e eu me apaixonei pelo texto. Eu tinha uma participação apenas, nos dois últimos atos (a peça tinha cinco atos), mas, eu ía aos ensaios desde o início porque eu gostava de ouvir o texto, e era um texto revolucionário, com toda uma questão existencial dentro dele.

“Os Justos”, se não me engano a gente já ensaiava no pequeno auditório. Eu me lembro que teve um acontecimento muito triste. Um dos atores que fazia, acredito que o personagem central, o líder, o revolucionário principal com o nome de André, morreu afogado na praia de Caiobá. Aí então o Walmor Marcelino assumiu este papel. Esse personagem era tão lindo! Eu ainda nem era casada, nem tinha filhos, mas eu já sabia que meu filho iria se chamar André, porque ele era o protótipo do homem justo, benevolente, corajoso que a gente só podia admirar. Então eu queria esse nome para o meu filho.

Aí nós concluímos a peça e fizemos uma apresentação no Guaíra e algumas em bairros, em associações. Eu tenho dificuldade em te dizer se houve impacto junto aos expectadores, era uma peça bastante filosófica. Talvez impacto mais para o meio intelectualizado, mas ela tratava de um tema muito humano que era um atentado de protesto contra o que simbolizava a classe dominadora. Para nós a peça foi uma oportunidade de alargar os horizontes, saírmos de textos mais simples, de falas mais simples, de temas cotidianos para um texto mais denso.

Se o que a gente pretendia era poder levar informação à população mais pobre, não sei se a gente conseguiu. Mas, nós que participamos, nós tivemos um salto. Um salto que marcou e definiu muita coisa na nossa vida. Foi de uma riqueza extraordinária.

O movimento de teatro político liderado por Euclides Coelho de Sousa (o Dadá) e o jornalista Walmor Marcelino, depois se transformou no Centro Popular de Cultura da União Nacional dos Estudantes (CPC). Em todo o Brasil a União Nacional dos Estudantes debateu Reforma Universitária e formou vários CPCs, com o objetivo de, através da arte conscientizar o povo sobre temas como cultura nacional, popular e a luta contra o imperialismo. Depois da sua passagem pelo grupo, Zélia Passos voltou-se para os estudos na Faculdade de Pedagogia e iniciou sua militância no movimento estudantil.

ZÉLIA: Depois de “Os Justos” eu me casei. Foi no comecinho de 1962 e fiz vestibular logo depois. Quando eu decidi que curso eu ia fazer, foi uma decisão com muita segurança. Eu me dei conta de que era educação que eu queria estudar. Na educação me interessava o tema em geral. As questões da psicologia, de como se dá o aprendizado, e ainda por cima eu fiquei grávida logo em seguida, então esse é um tema que eu estava vivendo também, de querer entender o universo da criança. E o tema de educação de adultos, que foi tema da campanha contra o analfabetismo do Governo João Goulart não aconteceu de imediato na faculdade. Nesse momento o CPC Nacional veio fazer algumas apresentações aqui,  mas, o meu contato se deu mais como estudante, inclusive eu comecei a participar do movimento estudantil.

Eu estava no segundo ano quando a gente começou a discutir… o Paulo Freire esteve aqui, esteve conosco da Pedagogia também. Nós formamos um grupo. Estudávamos entre nós o Método Paulo Freire. Eram poucos professores interessados no tema. O Curso de Pedagogia na época era um curso muito formatado. O novo era mais difícil de impregnar. A professora mais aberta era a Eny Caldeira.

Durante o Governo João Goulart, os CPCs estabeleceram uma parceria com o governo e entraram na Campanha Contra o Analfabetismo deflagrada pelo presidente João Goulart. Aqui em Curitiba, o Dadá que já havia formado o CPC local e introduzido os bonecos nas atividades, faz parte da campanha assinando um convênio com a Prefeitura de Curitiba, porém, o tempo foi curto e interrompido pelo Golpe Militar. Mas foi justamente neste momento que Zélia Passos retornou ao grupo.

ZÉLIA: Era mais este grupo de estudantes, alguns ligados a Juventude Universitária Católica (JUC), quando o CPC Nacional começou a discutir isso aqui, o CPC daqui não nos arregimentou para esta discussão de alfabetização com eles. No terceiro ano da faculdade, com este grupo de discussão sobre Paulo Freire, nós estávamos nos preparando para ter esta experiência de começar um grupo de alfabetização, mas, logo depois veio o golpe… nesta ocasião que estávamos nesta ebulição sobre o método Paulo Freire, o pessoal do CPC daqui me convidou novamente.

Estava de manhã em casa fazendo almoço, cuidando da minha filha, era dia 1 de abril e eu fui para a reunião antes de ir para faculdade, passei lá na sede do CPC e foi quando encontrei a sede lacrada com um soldado na porta. Neste momento é que eu tomei conhecimento do golpe militar.

Só mais tarde, durante os “anos de chumbo” foi que Zélia juntamente com os amigos Aurora Laroca e João Urban, desenvolveram o método, conseguiram formar um grupo de adultos trabalhadores numa vila no Pilarzinho e em um ano atingiram o objetivo de alfabetizá-los.

ZÉLIA: Daquele grupo remanescente da Pedagogia, já durante o golpe, uma outra colega a Aurora Laroca  e eu , mais o fotógrafo João Urban, começamos a preparar os materiais para alfabetizar adultos. Escolhemos um lugar para gente começar o trabalho aqui no Pilarzinho, na primeira vila feita pelo BNH, logo depois do golpe. Levamos meses nos preparando, o que coincidiu com a construção das casas. Fizemos uma pesquisa do universo cultural daquela população junto com a mudança daquelas pessoas para lá. Em tempo recorde as casas foram construídas, de madeira, e já no segundo semestre de 64 começaram a ocupar as casas. Funcionários da prefeitura é que foram morar neste lugar. Fizemos a pesquisa com aqueles moradores, fizemos entrevistas com eles para então podermos definir as palavras geradoras e organizarmos os slides. O Método Paulo Freire tem um primeiro bloco onde se discute o conceito de cultura antes de se começar a alfabetização e é quando se discute que a cultura é tudo o que é criado pelo homem. Portanto se aqueles trabalhadores criam coisas aquilo é fruto da sua cultura. Trata-se de uma discussão inicial para o reconhecimento do conhecimento que todos temos. Não são piores do que as que sabem ler, só não tem os instrumentos, a leitura e a escrita.

A gente contava com uma série de limitações financeiras, eramos estudantes e tal… fomos ao Mobral, que era o curso oficial de alfabetização na época da ditadura, nos oferecer para dar aula, eles aceitaram e a gente propõs que fosse numa escola do Pilarzinho. Aí eles nos emprestaram um projetor de slides, que era o que nós precisávamos  para dar aula lá na vila. No Método tem uma série de slides para debater o conceito de cultura, as palavras geradoras, etc. O Urban faz os slides com as palavras geradoras… e aí nós fomos de casa em casa fazer os convites. Foram 100 casas, até que conseguimos fazer um grupo com moradores interessados em se alfabetizar.

Eu me lembro que a primeira palavra geradora era “panela”. Tinham também lote, casas, e outras. Ficamos praticamente um ano trabalhando ali. Houve uma evasão razoável, mas quem ficou aprendeu a ler e escrever. Ao final, eu me lembro de nós três conversando: “E agora, conseguimos!” E nós nos demos conta de que quem mais aprendeu fomos nós.  Com todo o sacrifício de ir até lá, de noite, no frio… mas, era muito, muito gratificante. Primeiro porque nós não sabíamos nada, esse foi o primeiro aprendizado. A gente viu que tinha que começar o curso de Educação de novo e vimos que a vida daquele povo era muito mais rica do que a gente julgava.

A gente chegou lá achando que, por não saber ler eles tinham pouquíssima informação. E ali a descoberta da riqueza do universo deles. A maioria, imigrantes, acho que todos eram. Todos estavam vindo de situações mais difíceis e achavam aquela situação melhor… e víamos que era uma situação muito difícil! Doença, insalubridade no lugar, enfim… aquilo foi um choque de realidade que os livros aos quais nós tínhamos buscado informações não tinham sequer vislumbrado.

Ainda na ditadura militar, Zélia recorda de mais duas experiências relativas à educação. Escolas clandestinas formadas por militantes de esquerda com o intuito de salvaguardar a formação dos filhos, no entanto, as escolas foram fechadas sob a alegação de que eram subversivas.

ZÉLIA: Nós nunca nos exilamos. Ficamos clandestinos aqui no Brasil. Com o golpe e o fim dos CPCs da UNE, o Euclides e algumas pessoas ligadas ao Partido Comunista, resolveram montar uma escola, chamada Pequeno Príncipe. Minha filha foi aluna e depois a escola foi fechada, os professores fichados. A alegação era de que era uma escola subversiva e que ensinavam marxismo.”

Depois de dez anos quando eu tive o meu segundo filho, o André, nós montamos outra pré escola, uma cooperativa de pais que se chamava Oficina. E aconteceu a mesma coisa pela mesma acusação, de que estávamos tentando reorganizar o Partido Comunista e que estaríamos ensinando marxismo, que era uma escola subversiva. Então ela foi fechada e várias pessoas foram presas. No final das contas, meus dois filhos são subversivos de acordo com isto tudo!


Vídeo: Tulio ViaroFotos: Gilson CamargoEntrevista: Ana Carolina Caldas

entrevista com alcidino pereira

Posted in Índice, Entrevistas by teatropolitico60 on 01/09/2010

Alcidino Bittencourt Pereira,  atualmente é diretor da Coordenação da Região Metropolitana de Curitiba, no Governo do Estado do Paraná. Na década de 1960, estudante da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Paraná, integrou o  movimento de teatro político. Entrou para o curso do Teatro Guaíra ofertado pela SAP – Sociedade de Arte Popular (companhia teatral dirigida por Walmor Marcelino) e chegou a encenar a peça “A Prostituta Respeitosa” com o grupo.  Alcidino destaca que o mais importante nas peças ensaiadas, não era tanto a representação, mas muito mais a mensagem dada.

Com a influência do Walmor nós passamos a estudar, por exemplo, Camus e passamos a centrar as discussões mais nessa temática existencialista que permitiu aprofundar e  não ficar somente nas figuras estereotipadas.  Era totalmente gratuito e não havia nenhum profissionalismo  nisso. Era voluntário mas que exigia estudo e dedicação.

Marcou tanto esta experiência que anos depois,  no meio operário na Baixada Santista eu tentei reproduzir adaptando ao contexto de Cubatão e nas vésperas do golpe militar repetir essa mesma metodologia, que era uma simplificação, na medida que você não se preocupa muito com a individualização dos personagens, mas, com a caracterização de protótipos representando segmentos sociais.

Nó tivemos alguns treinos com um pessoal que fazia teatro no Rio de Janeiro. Foi extremamente útil, mas a nossa preocupação não era seguir uma carreira teatral. Era muito mais uma maneira de promovermos eventos políticos. A intenção era puramente de agitação política.

O importante para mim era falar claramente e com uma boa dicção dizer o que tinha que dizer. O texto era muito mais uma denúncia, essa era a preocupação central. Não era com a construção do personagem  nem com a trama dramática.

Os anos 60 são conhecidos como momento de grande efervescência político-ideológica. Os temas do nacionalismo, anti -imperialismo e a defesa do povo como protagonista social estavam presentes.

Era uma época de grande agitação política, eram campanhas contra carestia, movimentos feministas em praça pública, na Tiradentes, Rui Barbosa nós nos organizávamos. Procurávamos ter uma visão global da influência do capital estrangeiro, a economia nacional, aos obstáculos ao desenvolvimento e forte conotação social. Eram os temas  com que nós nos sensibilizávamos. De toda maneira foi uma experiência marcante numa época de grande conflitos sociais, grande polarização com a Guerra Fria. Havia o anti comunismo e aquilo tudo não nos amedrontava, muito pelo contrário. O entusiasmo juvenil era o que nos empurrava para o engajamento mais conseqüente.

Alcidino destaca que o teatro político trouxe para os jovens universitários a sensibilização para as questões sociais. Mas para ele, o seu contato com a realidade permeada pelas injustiças sociais se dá antes do seu ingresso no teatro, e foi o que fortaleceu sua decisão em investir neste tipo de mobilização.

Como aluno de Direito, o meu caso especifico, eu como solicitador acadêmico  fui para Campo Mourão para ter um pouco de experiência. Na companhia de um advogado já podíamos exercer a profissão. Devido á minha inclinação eu fui direto procurar o Sindicato  dos Trabalhadores Rurais e ali em pouquíssimo tempo eu me dei conta da dimensão social e de toda a problemática colocada. Ser advogado trabalhista e de trabalhadores rurais era enfrentar a prepotência, a violência … sobretudo numa região como Campo Mourão, com tradição inclusive de guerrilha rural. Era um momento de muita tensão. Eu me lembro hoje ainda que a primeira causa foi para um cidadão, pai de 8 filhos  que trabalhava há cinco anos e o que ele ganhava era insuficiente para pagar os alimentos que ele adquiria no armazém da fazenda. Um dia cansado e os filhos precisando de escola, de comer, ele resolveu sair e matou um porco para servir de comida. O proprietário chamou a polícia e este individuo estava sendo processado por furto do animal. Essa foi a minha primeira defesa e eu me dei conta da necessidade de se defender uma Reforma Agrária. Era então uma tese quando eu estava em Curitiba no meio universitário e passou com esta experiência a ter uma ação mais contundente para mim, na medida em que eu vi o que representava a exploração do camponês na prática. Ele, sua família, ele sendo preso por tentar fugir da escravidão e sobreviver de alguma maneira. Portanto a vivência dos meus próximos anos vai consolidando esta experiência e a compreensão que eu tive. Essa experiência em Campo Mourão foi um pouco antes da entrada no teatro…

O objetivo maior era usar a arte como instrumento revolucionário, era assim que aqueles jovens e os intelectuais integrantes do movimento viam o teatro. A principal missão: tornar o povo consciente da sua realidade e fazê-lo se mobilizar para promover a mudança social, livre das injustiças sociais. Para Alcidino, alguns erros cometidos os afastaram do objetivo.

Eu acho o seguinte, que aquele teatro peca por estereotipar os personagens. Não são vivências individualizadas num contexto social, com as contradições de classes e os conflitos sociais. Nós na verdade fazíamos uma abstração da realidade e os nosso personagens não tinham estrutura psicológica. Era muito mais uma abstração teórica. Acho que esse era o ponto fraco como teatro.

Fora o meio mais politizado, até se tornava um pouco incompreensível o que nós queríamos dizer. Tinha muito mais sentido no meio operário peças como “Eles não usam Black Tie” que conta as contradições, que narram os conflitos dentro de uma família. Acho mais útil como instrumento de conscientização do que o nosso teatro, que era claramente pedagógico e ao mesmo tempo com estas categorias abstratas retiradas de uma análise política e não da própria realidade onde os personagens estariam inseridos.

Era muito mais para aprofundar o nosso engajamento e a necessidade de utilizar o teatro como recurso de mobilização política. Muito melhor que fazer discurso. Muito mais dinâmico e mais interessante.

Desta experiência inicial, Alcidino conta que já  durante a ditadura, ele teve a oportunidade de reviver o teatro político, adaptado para outros contextos.

Eu acho que foi uma experiência tão rica que ainda tentamos reviver esta experiência de teatro amador em diferentes contextos, como  método de agitação política. A necessidade de elaborarmos textos foi muito mais resultante da necessidade em Cubatão, na Alemanha e posteriormente também na Argélia, quando na época do exílio. A própria realidade ditava a necessidade de uma adequação para cada um dos contextos. Era um processo longo de escrever, reescrever, apresentar leituras e novamente discussões do que seria o teatro, de Brecht, a necessidade de aperfeiçoamento. Neste sentido, foi sobretudo muito rico na Alemanha onde nós tínhamos a participação de alemães que eram solidários conosco, exilados do Brasil, e que também, ajudavam no reescrever estes textos logicamente influenciado com a experiência deles.

A função social da arte, existe?

Eu acredito que você não faz revolução com a arte, mas ela pode contribuir e muito para conscientização. E hoje ainda você tem mais recursos, cinema, televisão, internet que sem dúvida nenhuma pode focar os problemas sociais que tem que ser explicitados. E a arte é um meio rico, mais apaixonante.

Vídeo: Tulio ViaroFotos: Gilson CamargoEntrevista: Ana Carolina Caldas